terça-feira, 29 de dezembro de 2020

2020


O vórtice é o tempo hoje

Ele nos puxa para o fluxo

O fluxo intangível da vida.

Em estado de reinvenção cotidiana,
não há resistência que sobreviva
a dimensão suspensa e rotatória
daquele construído na aceleração.
Aceleração produtiva do vazio
Que transborda nas expectativas
de ter tudo que o atravessa

Mente que corre, corpo que fica
Nas correntezas  dos nós, na pausa do mundo.
Nos, que vive pelas cordas da utopia.
Do inteligir corpo, do inteligir tempo.
Do precisar afeto.

É pelo corpo e pelo tempo.
No exercício da aferição com a terra
Nas escolhas de presentificação do real,
em escavações da memória,
pelas estrelas que duram a eternidade do instante.
Que resistimos a fragmentação.
De dentro e de fora
Na conexão de si,
tentativa de alcance ao outro,
comunicação com o mundo.

Mundo que se expande a medida que olhamos pra dentro.
Nas galáxias adormecidas pelo medo,
em territórios férteis a serem ocupados,  
escalas a espera da música da vida.
No equilíbrio de si, gangorra do nós.
No ponto de saturação que tange ao coração.
Em silêncio e multidão.
No discorrer do núcleo a expansão.
Ponto preciso de escuta e expressão

Reintegrados a vida.

Seguimos
Resistindo,
reexistentes.
Inteiros,
atravessamos o vórtice.

domingo, 27 de dezembro de 2020

WHIPLASH-EM BUSCA DA PERFEIÇÃO



A primeira vez sempre a última chance. 

Aqui são várias camadas a serem superadas. 

Aqui são descidas e subidas no exercício do mergulhar dentro e emergir expressividade. 

Aqui é a câmera no mundo interior, com sutilezas de gestos e tentativas de contato. 

Porque a membrana da autoestima é tão frágil quanto o tímpano que corrige o som fora do tempo.A membrana da autoestima ganha força de irromper o universo do outro ao convida-la pra uma pizza quando  momentaneamente se é  aceito na melhor banda da melhor escola de música da cidade.Porque o impulso em atravessar o muro e chegar ao outro precisa de legitimidade. E a legitimação para a coerência de sua existência não abarca o que já se era desde sempre: baterista. 

Era preciso mais, era preciso a perfeição.  

Mas o que era a perfeição? 

Era a desterritorializacao de si, era o preenchimento do sacrifício pelo direito ao óbvio.Era vida em estado de sangue.Era a voz austera do metrônomo dentro e fora. Era a contagem na solidão. Era paixão invertida, era pulsão de morte, era azar e nunca sorte. Era abnegação.Era coragem de ser voz e mostrar seu valor para as celebridades da família. Era dor e muito raramente promessa de alegria.

Era o que se era, e isso deveria ser sua sentença de felicidade. Mas não.  

Era algoz de si, na busca por atalhos vãos. Era o professor que o agredia em comunhão com sua voz na multidão.Era a profundeza do martírio, na tarefa de se aferirem nos infernos de si.Num retorno de cicatrizes e lágrimas que talvez se curam amanhã ou que não se curam nunca mais. Pelos limites do corpo, pela imprecisão do tempo que não se curvam ao autoritarismo que ceifa o criativo, que ceifa a vida. 

É na ressignificacao de lugares, na perda pra se achar, na pausa pra se encontrar, que ambos se deparam com a imensidão do instante, palco da criação.E a criação é a liberdade do dialogo,ausência de cárcere, tempo solto a serviço da expressão da alma.Aluno fala, professor escuta, professor fala, aluno escuta e ninguem ensina nada a ninguem, compartilham experiências genuinas no oficio de ambos estarem no patamar da igualdade: são artistas.

A partilha do igual permite a precisão da nota, essa ja não importa ser perfeita, mas se é pela autenticidade em expandir e não mais limitar a batida do coração dos que vivem sua arte.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Viver

Sua palavra era transfor-mar

Seguia intuitivamente essa direção.

E dignidade era o nome daquilo que fora construído na busca pelo lugar de ser.

 Na busca utópica em não precisar ser além do que se é. 


Mas o que se era afinal?


Era tudo aquilo que sabia ser e tudo aquilo que buscava descobrir. 
E sua busca era intensa, uma inquietação na verdade da essência.
 Era experiência na linguagem da troca. Era alquimia interna e externa.
 Membrana dos mundos de dentro e de fora.

 A sobrevivência a solicitava inteira,
 mas tinha momentos em que se via em pedaços. 
Fragmentos na tentativa de diluir afetos, 
Era muitas por todos os cantos das habitações de si
Algoz na permanência de seu relicário de redenção.

Era preciso entender o percurso do nós. 
Era preciso entender o percurso da dança da vida.
 E cantava e dançava e sorria nas brechas do eu.
Que ansiava por respostas. 
Que vivia por construir perguntas.

Das perguntas que gritavam mais alto, era dificil escolher uma.
Uma que desatasse o nó mestre da vida.
Que respondesse a pergunta chave do enigma.
Que desdobrasse como flores de lótus o peso de existir.

Porque existir tem um peso,
 um peso para além do corpo, da matéria, dos ossos. 
Um peso que atravessa as memórias,
e pelas nuvens esquecidas do amadurecimento 
se reencontram nas narrativas do silêncio, 
revivendo na pele a inconsciencia de ser.

E era. 
 Era obediente em sua essência de subverter o tempo.
 Aceitando a existência do sim e do não.
No percurso que faz aquecer o coração.
Em ritmo de carne e canção,
Pelo tear de mãos com mãos.
Na poesia do integrar,
para além da superficie do olhar  
E gritar:
-Vem,
no caminho eu te mostro instante.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Mar

 


É  pelo movimento das águas profundas, no exercício do mergulhar, na fusão de almas, no encontro de corpos, na morte cotidiana,na reinvenção do amanhecer de todos os dias, na dor da consciência, na voz sem som, no silêncio compartilhado, no entŕe sem espaço para ruídos, na fluidez que negocia com o tempo, na força que irrompe muros, na vida que te quero fogo, na palavra que penetra sentidos, na intensidade que ultrapassa entrega.
Não, não há entrega, há pulsão na verdade de existir potência.
Há mergulho nos mundos, há presença no infinito sem origem, há instante eternizado nas águas doces do olhar.

Pq aqui nada é superfície.

Aqui há vales e ondulações que levam ao tempo do sentir. 
Aqui há caminhos em construção nas trilhas das nuvens da memória. 

Sombra e luz.
Grave e Agudo.
Yin e Yang.

Silêncio na escuta do vibrar palavras que adormecem no leito não mais regido pelo medo.

Há lugares retomados pela cura.
Jardins em processo de reflorestamento.
Afeto que ultrapassa o fim.
Corpo para além das orientações de dia e noite.
 
Não há rotações,nem medidas. 
Não há espaço nomeado no controle vão de saber. 
Pq não se sabe.Não se sabe medida exata do tempo no horizonte do sentimento.
Pelas águas escorre a vida na imensidão de ousar ser força que ocupa ruas, transborda rios e preenche lugares reinventados no momento de não ser.
Não se é na continuidade da margem do eu.
Mas sempre se foi na escuta atenta de si. 

domingo, 1 de novembro de 2020

Liberdade

Sonhava em libertar o mundo.

E por muito tempo,

seguia desconhecendo, 

que era preciso libertar a si mesma.

Não é facil olhar para si,
não é facil percorrer caminhos escuros, que precisam do sol da manhã
e da brisa da tarde.
Não é facil parar na aceleração,  
e encontrar o ritmo
no risco de perder
o que nunca se teve.

Pq nada se tem, tudo se é.

No equilibrio do fluxo de entradas e saídas, de descobertas e aprendizagens,
de mitos e ritos no vórtice da vida.

É ela que chama pro renascer da alma.
É ela que encerra e abona a todos os atravessamentos e afetos,
É ela que vibra na comunidade dos que criam um novo dia.

É pela perspectiva do novo que o corpo se torna palco do mundo.
Palco nas correntezas do mar que banha dores e cicatrizes.
Que reinventa poesia na precisão de envolver se com a intimidade de si.

É pelos caminhos de si que se chega ao outro.
É fazendo as pazes com a menina que se liberta a mulher.
É no resgate do tempo que nasce a artista.
É pelo exercício da artesã que se chama a ser.

O horizonte nunca irrompeu ao longe,
ele aponta aqui dentro.
No interno que reaprende a viver.

sábado, 24 de outubro de 2020

Artesão


Nossos pés lutam para continuar a busca incansável por tudo aquilo que sustente nossa existência. 

Os pés fincados no eixo de si, na árida estrada, ora solitaria, ora compartilhada de caminho que se caminha só.

Sol, somente sol. 

Luz que aquece alma e reafirma a vida.

Vida plural, farta na certeza de ser gente que vibra gente. Vida na inquietude de crescer alma apequenada nas estruturas do tempo sem tempo pro que realmente importa. 

Sem tempo pra sentir. 

Sentimos na subversão. 

Somos ação.

Na dor e na alegria de sermos artistas do cotidiano. Artesãos de ar, água, terra e fogo nos desdobramentos do caos.

Criação que rompe a membrana da distopia de um horizonte que se expande a medida que nossos medos são deixados como rastros de outro tempo.

Nossos olhares molhados se cruzam no infinito da fé e no horizonte da utopia cantamos juntos.

Feminino

Quando o feminino perde espaço em nossas vidas? Quando o feminino perde espaço em nossas relações? Quando o feminino passa erroneamente a ser associado ao fracasso frente uma sociedade com valores que ferem a humanidade naquilo que ela possui de mais importante; a perda da capacidade de amar.Porque lutar pela sobrevivência tem se distanciado tanto da possibilidade de vivenciar um feminino saudável em todas as suas instâncias?O capital subtrai todas as suas possibilidades: receptividade,empatia, cuidado,sensibilidade, cooperação, construindo um ideario de ego fortalecido no oposto: realização, assertividade, ação, combate, conquista e confronto. Ambas as polaridades em suas origens deveriam seguir juntas, entretanto o pior a ser constatado não se trata das cristalizacoes externas. Não! São elas, as internas que nos subtraem no oculto de uma ausência. Nas tentativas de guerrilha, nas lutas cotidianas, na busca pela dignidade, na busca de nosso pão de cada dia. Tão nosso, mas eternamente meu, na solidão de vencer a si, numa guerra desleal.Nao se vence a si silenciando vozes. Primeiramente não se trata de ganhar ou perder, mas de existir dignamente na integralidade de ser composto. Somos feminino e masculino, nas nossas construcoes basicas.Somos ação e amor. Vida e morte. Dentro e fora. De um contexto onde o feminino perdeu seu terreno de equilibrio com o masculino.A sociedade produtiva, a sociedade excitada, a sociedade esvaziada despoja o útero comum de suas entranhas e o vende na esquina a preço de banana. Como bugingangas na retroalimentacao de uma vida que não se sacia com nada que possui. Tudo é novidade e tudo é ultrapassado. A insatisfação nos acompanha em nossas práticas cotidianas e não sabemos o que comprar para curar a dor de uma ausência. Ou seria de uma existência ancorada em ausencias primordiais? O feminino é inimigo do capital. Ele é cicliclo, ele é caotico, ele é subjetivo, cuidadoso, não produtivo e selvagem. Mas ele faz parte das necessidades humanas principais. Nao adianta busca-lo em lugares pre fabricados, não adianta nega-lo, nao adianta silencia-lo. Ele faz parte de um todo, ele faz parte da gente. E como dialogar com feminino em tempos tão inóspitos.Como não sufoca-lo frente a sociedade que o desmerece e até o ridiculariza? Como não destrui lo na ignorância do fortalecimento de si? Como respeitar suas fases e suas luas no calendário comum de afetos? Como alimentar nosso feminino para que ele ouse se mostrar sem vergonha de não ser aceito? É no exercício cotidiano, na desconstrução de padrões, na construção de novas praticas, nos exercícios individuais e coletivos. É na aceitação do meu feminino na fragilidade de voz solitária.E no exercitar de outras vozes. É na aprendizagem de permitir se pequeno. É na vida simples. É na festa cotidiana. É na comunidade. É na vida de afetos. É entre eu e você. E o quanto de feminino vc permite viver realmente em sua vida?

Novo


O vórtice é o tempo hoje

Ele nos puxa para o fluxo

O fluxo intangível da vida.

Em estado de reinvenção cotidiana
Não há resistência que sobreviva
Na dimensão suspensa e rotatória
Daquele construído na aceleração
Aceleração produtiva do vazio

Que transborda nas expectativas
De ter tudo aquilo que o atravessa
E espreita utilidade da conquista
Conquista amorfa pela vez da inação.

Mente que corre, corpo que fica
Nas resistencias dos nós .
Nos que resistem nas cordas da utopia.
Do inteligir corpo, do inteligir tempo.

É pelo corpo e pelo tempo
No exercicio da aferição com a terra.
Que resistimos a fragmentação.
De dentro e de fora
Na conexao de si.
Na comunicação com o mundo.

Reintegrados a vida.

Seguimos
Resistindo,
reexistentes.
Inteiros,
atravessamos o vórtice.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Meio



O espaço da casa era infinitamente maior que a sinto hoje. A casa da minha avó. Minha casa, pensei por muito tempo. É uma casa de muitas gerações, casa que era terreno, que virou casa de meus bisavós, casa da minha avó e hoje mora minha mãe e filhos e netos do meio tio. Casa que ja abrigou muitos, e que já abrigou poucos. Casa com histórias, casa testemunha dos ausentes.Casa que conheço  cada detalhe, cada pedaço, cada marca no piso, cada sensação dos fragmentos daquele lugar. Casa que tinha uma vista longínqua para o horizonte em seus fundos. Casa que ora era liberdade de pisar na terra e deitar no chão, ora que era prisão, quando não se podia misturar as outras crianças que corriam na rua. A rua era um lugar não cotidiano.Eu ia pra rua muito raramente.Na negociação dessa liberdade, a casa se moldava as minhas urgências. Minha avó, quando não podia me acompanhar na rua,sabia da minha tristeza.E sábia que era, logo idealizou um caixote feite de tijolos e cimento próximo ao muro.Para que eu pudesse subir quando quisesse fazer parte da rua. Ali eu subia e podia observar a rua, olhar a rua, falar com amigos, ampliar os horizontes da casa. Era um caixote com uma unica utilidade:possibilitar a visão da rua. Minha mãe não entendia a construção daquele pedaço de tijolo ocupando o quintal. Ninguém entendia.So nós, eu e ela. E todos os dias, inúmeras vezes subia ali.E via. Via a rua cheia de gente. Vazia. As vezes subia ali e imaginava que estava num palco, cantava para uma platéia invisivel na extensão do quintal. As vezes olhava pra rua.Era meu lugar, na membrana da casa. Não era casa, não  era rua. Era meio. 

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Reexistir

 Sua palavra era resistência.

Seguia intuitivamente essa direção, era preciso resistir a miséria, a dor, ao racismo, a gordofobia, ao preconceito, as instituições, ao sistema do capital, ao julgamento dos outros, ao julgamento de si, o caminho, a morte e a vida.Resisitir era sinônimo de dignidade. E dignidade era o nome daquilo que foi construído na busca pelo lugar de ser. Na busca utópica de não precisar ser além do que se é. Mas o que se era afinal?
Era tudo aquilo que sabia ser e tudo aquilo que buscava descobrir. E sua busca era intensa,era uma inquietação na verdade da essência. Era experiência na linguagem da troca. Era alquimia interna e externa. Membrana dos mundos de dentro e de fora. A sobrevivência a solicitava inteira, mas tinha momentos em que se via em pedaços. Fragmentos na tentativa de diluir afetos, juntos somos mais fortes mas fragmentados somos muitos. Muitos por todos os cantos das habitações de si. Filha, esposa, mãe, professora, artista, conselheira, poeta, narradora, amante, amiga, historiadora. Algoz de si na permanência de seu relicário de redenção.Era preciso entender o percurso do nós. É preciso entender o percurso da dança da vida. E cantava e dançava e sorria nas brechas do eu. Eu que ansiava por respostas. Eu que vivia por construir perguntas.Das perguntas que gritavam mais alto era dificil escolher uma.Uma que desatasse o nó mestre de sua vida.Que respondesse a pergunta chave de seu enigma.Que desdobrasse como flores de lótus o peso de existir.Porque existir tem um peso, um peso para além do corpo, da matéria, dos ossos. Um peso que atravessa as memórias, pelas nuvens esquecidas do amadurecimento e se reencontram nas narrativas do silêncio, revivendo na pele a inconsciencia de ser.
E era. Era tudo que desconhecia. Era luz e sombra na criança que não abandonara. Justo ela que fora abandonada inúmeras vezes, não poderia ser abandonada por si. Era ser cruel demais, e não sabia lidar com esses sentimentos.A criança seguia seu caminho, ora solitário, ora acompanhada, ora alimentada, ora esquecida. Mas nunca ultrapassada.Ela estava ali, resistindo a tudo, num horizonte de espera, num passado atemporal, no fragmento do nós, no silêncio da sombra, na dor da existência, no perdão que tarda. Ali, onde nunca saíra, obediente em sua essência de subverter o tempo. Seu tempo se estendia a espera de outro tempo. E enquanto esperava se fazia presente. Era agente no percurso desde sempre, era protagonista de relações,era quem se recolhia e não tinha hora de voltar. Era amiga do sol e da sombra juiz. Era no fundo talvez infeliz. Sua morada, ora fragmentada ora inteira, não se fazia encaixar. Seu tempo ja tinha passado e mesmo assim resistia na luta pelo controle em não aceitar. Dialogava como adulta e as vezes convencia na arte de ocultar. Mas era a criança ferida que só queria salvar. Salvar a si na resistência do tempo que escorre pelos dedos, seus pés gordinhos insistiam em fincar nas terras de si e dali não sair do lugar.
O que falar pra essa pequena que não para de chorar?
Escuta minha filha, vem cá. É preciso ouvir o tempo e com ele se encontrar.
Não adianta, fazer birra, se esgotar. Sofrer, bater pernas e chorar. A vida sempre vai passar, o tempo não podemos carregar: esperando pelo abraço na hora certa, pelo aconchego, pelo aplauso, pela palavra, pela comunhão, pela proteção, pela escuta, pela luz, pela exclusividade, pela intensidade da presenca compartilhada no transbordamento do nós. Não. Não precisa resistir. Tardar por reexistir.Não é tempo de fingir que ainda espera por um passado de partilha e comunhão.Não, irmão, o que nos resta é só a gratidão. De olhar a existência do sim e do não, no percurso que nos faz aquecer o coração. Coração de carne e canção.Na poesia de continuarmos mãos com mãos. Na alquimia de integrar, olhar pra você e falar; Vem, no caminho eu te mostro o instante.

Poeta

 O arco é o meio

Ar rarefeito de sopro
Sopro de vida; sagrado.

O arco é o sustento invisível.
O nós em estado de liberdade.
Liberdade construída no corpo,
cólera na origem da falta.
Falta que movimenta rios,
que muda cursos e se faz
leito que desagua linguagem.

O leito da linguagem é o milagre da vida

Palavra habitante dos rios em curso
Água que irriga, água que negocia
Com a ira e dela faz morada
Mora no interstício da gente
E quando cala
É do leito colera,
estado de origem matriz,
que experiencia habitar no invisível
Essencial do chamar a ser

De novo inteiro, em condição primeira
De limite,de fio d'água, de irromper
Que irriga nascente da palavra
Que se mescla a vida,
Não, que é própria vida.

domingo, 6 de setembro de 2020

Mito de origem

 Numa comunidade distante, uma menina morava numa caverna com sua família. Esta desde muito nova olhava as plantas, os animais, a textura das paredes, o horizonte limitado da caverna, as montanhas ao longe, o povoado, a imensidão que ela imaginava lá fora pelos olhos zelosos de sua mãe.Sua mãe era orgulhosa da formosura de sua primogênita e cuidadosa com suas práticas no cotidiano doméstico. Sua preocupação a fazia cuidar minuciosamente sobre o que era prudente para sua filha.Sua filha era tudo aquilo que ela não fora: preservada. Preservar era seu maior ato de amor.E sua filha respondia o afeto com obediência. Ficava na área externa limitada, cuidava de sua aparência, organizava as coisas internas, não realizava serviços pesados, era prendada, valorizava sua caverna e jamais, jamais ousava ir para a montanha próxima ao mar. 


Rezava a lenda local, que esse monte guardava um vulcão adormecido, que a qualquer momento, ao entrar em contato com as pessoas, poderia voltar a entrar em erupção. Como castigo aos que ali estivera, os acometeriam com a impossibilidade do florescimento, tendo suas lavas entrando em contato com tudo a sua volta.Sua mãe a alertava com essa história desde muito cedo.E obediente que era, a menina sabia que jamais iria a esse lugar.

O tempo passou, e um dia, pela primeira vez a menina ouvira uma voz diferente daquela habituada desde pequena.Era uma voz que tinha movimento, cor, música, dança, poesia. Era uma voz que diferente daquela que conhecia, a impulsionava a sair da caverna, a olhar o mundo com os olhos que por ora sentiam dor, pois nunca tinham sidos usados.A impulsionava a ouvir outras histórias e a experimentar contar as histórias que ali nascia, a menina pela primeira vez era provocada a criar suas proprias narrativas.

Num dia, sem que sua mãe pudesse a advertir, a voz a conduziu até a montanha próxima ao mar. Sem perceber que ali estava, e encantada com o novo mundo que se mostrava a sua frente, quando percebera, o vulcão, aquele que sabia que jamais poderia conhecer, começara a dar indícios de vida. A erupção acontecerá exatamente da forma que ouvira nas histórias e sem acreditar, protagonizava junto com aquele que escolherá para ser livre. Aquele que era um misto de vida e morte.Aquele adormecia a menina e fazia despertar a mulher.Protagonizava com ele o despertar do vulcão. Nesse momento, estava ali: o medo da menina em seu conflito mulher, seu amor amaldiçoado pelas lavas do vulcão e uma dor por deixar de ser a filha que fora até então. Ela chorou profundamente por vários dias e várias noites, numa vigília intermitente do vulcão.Sem lugar para voltar, num incômodo nunca vivido.Da mistura de suas lágrimas, da chuva de raios e águas quentes, e das lavas do vulcão, a mulher deu a luz a uma pedra vulcânica. Pedra vulcânica que nascerá na terra árida ressecada.

Essa pedra era eu.
Que ficara ali, por algum tempo, seguindo o curso de sua mãe na caverna.Pedra impermeável, que não se deixava molhar, pedra imutavel, que não saia do lugar, pedra como sua vó-caverna. Avó que já dava indícios de cansaço ao ofício em preservar.E permitia contar as suas dores e alegrias,suas histórias e causos, a atenta menina pedra, alimentando-a com águas que nasciam tardiamente da fonte de sua caverna.A avó se dava conta da ineficácia da rigidez que até então tivera. Sua condição de caverna não controlou o fluxo da vida,não preservou aquela que mais amava, e não determinou os caminhos que achava que um dia poderia planejar.Ser rocha não garantia absolutamente nada.

E aos poucos permitia-se transbordar timidamente água da fonte de caverna ao narrar a menina suas histórias da infância na roça, as rezas de sua mãe, a vinda sozinha para o rio, o namoro em frente a praia do Russel , a vida movimentada da família. Era água que sorria para pedra.Não precisava acertar, só ser.E naquele momento aquele ser era tudo que a menina tinha.E era a única água que penetrava a menina, e a mudava, e a alimentava, numa irrigação intra-ósseo. O afeto era por ouvir. Por muito tempo a menina acreditou que sua cumplicidade com a avó, era a semelhança da matéria rochosa. Mas não.Sua cumplicidade se dava pelo encontro no tempo da transformação. Ambas eram cúmplices no exercício de transformar-se. Processo de caverna que vira fonte. E pedra que vira água.

Água-marinha, depois água do mar,água do mar do vulcão. E mesmo depois, sem a parceria da avó, a menina firmava-se água. Água quente das lavas do vulcão.Água que busca brechas.Água das profundezas do nós. Água que tenta recontar a história daquele lugar e de outros.Água que tenta contar a historia de si.Água nascida na terra seca.Água feita de afetos dos encontros daqui e porvir.Água que flui. Água que tenta mas não consegue fazer sua mãe florescer.Água que irriga o mundo, mas não irrigava partes rochosas de si pertencentes ao passado filha.Água que tenta irrigar a mãe.Água que não consegue irrigar a mãe. Água que não consegue tocar a mãe. Exceto em momentos, que esta, imersa nas memórias de dor , volta ao entorno do vulcão, senta e chora profundamente.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Perdão

 Porque perdoar alguém é antes de tudo perdoar a si. Aceitar os caminhos errantes de um instante de distração ou euforia. Um caminho de suspensão de vigília da alma na defesa em não se permitir errar. Erre! Erre uma, duas , três, ou quantas vezes forem necessárias as práticas do constituir-se humanamente aprendiz. Aprendiz de si na entrega ao espaço caótico de leitura do outro. Leitura que não tem semântica que de conta da infinitude de sentidos, vozes e rimas pelo desritmado coração aflito de chegar ao fundo do nós. Não tem fim.Tem fluxo de águas, partículas de areia que cega a visão e resseca a boca. Que emudece os sentidos e paralisa as direções.Não tem fim que permita alongar as pontas dos pés no chão que se constroi a medida que irrompe pele na dor de ser o que ainda não se vê.Nao é preciso ver. É preciso olhar o movimento que mantém vivo o equilibrio de dentro e de fora. A chama da roda da vida que cai, levanta, caminha, respira, sonha, ri e chora. São mosaicos de emoções que constituem as ações de ser um novo experienciar, errante na partitura do sonho que se sonha acordado. Mais vivo no eixo intuitivo de todas que estiveram aqui.No alto de nós, sóis, que reaparecem no horizonte do amanhecer um.

sábado, 15 de agosto de 2020

Onde andam meus pés?

 


Meus pés pisam em nuvens. 

De algodão, feijão e poesia.

São pés ancorados em estruturas de água

Que percorrem o tempo dos afetos, 

das memórias, dos silêncios e da pulsão.


Que andam na utopia do amanhecer sol.

Que cria e aquece pele.

Que media a essência do nós.


Mas também são pés,

Por ora cansados, 

sedentos por terra úmida 

e capim vivo.


Pés que pisam no meio sagrado da gente.


Que sentem os ruídos finos

de tudo que venha aguçar 

a escuta do coração atento.


Que transborda amor

Em condição de vida

Sem espera de chegada

Na pausa do mundo

Na eternidade da alma


Que flui no desatar de nos, magoas e ressentimentos.

Que vibra linguagem no leito da vida.


Na prontidão da emoção 

que cria pontes 

e religa palavras

 na tentativa de dizer o indizível. 


São pés.

Vivos.

Aterrados a poética do instante.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Gratidão




E da pausa se faz causos.
E dos causos se abre o coração.
Pra tudo que realmente importa.

E o que importa na correria do capital de giros e piruetas?
O que importa na cosmologia de nosso ecossistema de passado, presente e futuro?
O que importa de si para sua versão atualizada do momento?

Das cartas ao tempo,
me alongo na tentativa de alcancar a que voa pra longe.
É dificil alongar, esticar os braços no vácuo do silêncio e resgata-la pro agora.

Mas os ruídos geram a interrupção.
A palma, o gesto, o tempo de falar.
E a vida se abre na imensidão da voz.

Voz que fala com amorosidade,
Que tece com arte 
vivências que não voltam mais.
Que vibram no hoje, 
como tatuagens no ar.
Rarefeito de sentido, 
mas repleto de propósito.

Da relação de existir criança.
Espontaneidade lúdica
Na risada que subverte.
A si, o tempo, o lugar.

A criança nunca esteve na infância
Exceto nos momentos da gente.

Sente
Sente a alegria para além da mente.
Relação,canção para além da razão.
Visão do coração.
Ressignificando toda a emoção.
Na beleza de ser gratidão.










terça-feira, 28 de julho de 2020

SOL

O tecer dos raios de sol.
O tecer pela manhã as vezes nos ofusca a visão.
O tear fia os feixes luminosos que vão aquecendo a pele.
O tear preenche o coração.
O tear nos ensina a confiarmos na luz que nos faz ver além.

É preciso continuar o trabalho de mergulhar nas estacoes de si.
As vezes é verão na alma, as vezes as folhas caem e baguncam nossos jardins de cimento.

É preciso continuar o trabalho de balançar nos interstícios do nós. 
Sem medo de se perder no movimento do encontro das mãos. 
No ar rarefeito de trapézio e suor.

É preciso continuar a sentir o sol.

É preciso continuar a sentir o sol depois do eclipse.

É preciso ressignificar o sol.

Sentir a vida em estado de eterno criar.

Pois cria- se nos desdobramentos de si que se espalham em palavras, imagens, movimentos, sons e cores.
Cria- se na vida que se expande para além de si na pulsão de amor que não se mede.
Cria-se na escuta do mundo.
Cria-se no risco de se perder e se achar na loucura de um caminho de afeto e comunhão. 
Cria-se no meio. 
No agora.
Na voz. 
No amor de reinvenção e canção. 
Cria se no invisível.

É só olhar de novo

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Espelho


É preciso atravessar o espelho.
É preciso não ser refém do tempo.
É preciso seguir esvaziando-se de tudo que pesa.
É preciso perdoar a todas que ainda estão aqui. 

À todas que se expandiram 
nas possibilidades do instante
ao convergir luz e sombra 
em movimento de vida.

Vida que se desdobra nos limites do ser, 
no ritmo do outro, 
na pausa do tempo de respirar. 
Vida que convida 
pra submergir profundo 
e emergir pulsão, 
vida que se estica pelas paredes da razão, 
vida que não sabe ao certo a precisão do sim. 

Porque é preciso exercitar o sim! 
É  preciso regar o jardim e cuidar das flores que insistem em desabrochar na imensidão de si. 
É preciso não ser preciso fazer nada além de ser.
É  preciso soltar as mãos do que não foi, para segurar-se nas margens do eu. 
É preciso dar a mão a cada uma de nós numa prece, numa ciranda, na dança do tempo.
Porque é na escuta do tempo que se lê a vida, em suas entrelinhas de versos e canção, na prosa e na poesia, na leveza do entender-se composto de uma cartela de cores que não se limita ao papel.

São feixes de luz que transpassam as estrelas em sua tarefa de reinventar se na materialidade afirmativa do corpo.
 É pelo corpo que dialogamos com o ar na gravidade de ser o que se é, na desconstrução das pequenas certezas, na libertação da imagem, nas mãos vazias para poder tocar. Pq a plenitude é consciência da escuta e da fala de todas as vozes presas pelo medo. Medo de ser além do que se pode. Medo de ousar chegar a si como quem toca o céu. Medo de não caber na história de quem acolhe.Medo de ser peso além da medida.Medo.Desejo que vai além do horizonte e reconstroi a consciência do seu lugar. Lugar do afeto de si na travessia incontrolavel do mundo. Criação na ação de ser milagre do instante que deságua no equilíbrio de encontros e desencontros. Emoção na entrega ao exercício primeiro em caminhar inteira de novo, sempre e mais uma vez.

terça-feira, 2 de junho de 2020

Porque o lugar do nós é o palco da linguagem.
No ar rarefeito de bugigangas que ofuscam o que se é, somos o vir a ser dos contatos permitidos pela coragem de transpor o medo de ser medida além do que se espera. Por que somos no meio.
Existimos plenamente na relação consigo e com mundo.
Somos membrana no fluxo do instante. Somos vida desatando nos de tudo tenha tido nos afetado.
Somos memória no emaranhado do medo de não sentir dor.
Mas a dor é premissa da vida.
Corpo que se estende na tarefa de resistir ao tempo.
Tempo de pausar e tempo de seguir.
Tempo de esperar e tempo de sentir.
Tempo de falar e tempo de ouvir.
Música na escala da existência da harmonia de nossas vozes presas na garganta da expressão. Somos canção que ocupa os espaços que nos cerca na intenção de tocar o outro. Outro feito de mundo, outro feito de nós. Escuto a tua voz a medida que me entrego a dança da vida, sempre outra na esteira da eternidade. Somos verdade esperando o momento de nascer mais uma vez.

terça-feira, 26 de maio de 2020


O não é a antecipação tola de um possível talvez, num medo descabido em não se encarar pertencente a imprevisível tarefa de reinventar-se no cotidiano plural do nós.

A vivência se reduz a consciência de se perder pela multidão sem rosto e a dúvida  
preenche os espaços com a sutileza de não se ousar transpor a realidade que insistentemente nos desafia.

Até que ponto a fragilidade nos distância?

Até que ponto a fragilidade faz com que esqueçamos signos, símbolos e significados perdidos em arquivos de memórias sem registros.

Por que somos camadas, texturas, silêncios, intensidade e ar. Mas acima de tudo constante expansão no vir a ser de sempre. Expansão de ar que preenche vida em estado de sonho e se esvazia na utópica tentativa de encontrar tudo aquilo que venha fazer sentido.


O que te faz pulsar no amanhecer de suas incertezas? O que te faz sentir na medida  exata do que se é?

Por que ser é premissa, bênção inegociavel na certeza do fluxo da reinvenção dos dias e das noites. Por que seremos únicos na travessia do rio dos afetos, nos distanciando lentamente da margem de projeções do mundo.Mundo feito  de João, José, Anas e  Marias na busca pelo equilibrio de mediar tempo que escuta a voz da identidade.

Quem é você no jogo do tempo?Qual a medida consentida do outro na sua história? 

Porque não há unidade para gente.Não há grandeza que catalogue, limite ou enquadre a medida do que se transforma no milagre de ser nos atravessamentos de dentro e de fora.Sintonizado na respiração compartilhada de vida que se constrói na relação livre de ser outro na esteira do instante.

domingo, 24 de maio de 2020

Enquanto o mundo desaba.
A vida ainda pulsa
Enquanto a fome volta a assombrar.
A vida pulsa
Enquanto a peste invade a cena.
A vida pulsa
Enquanto mães negras choram.
A vida pulsa
Enquanto as pessoas defendem o obvio.
A vida pulsa

Aqui dentro a vida continua.
Aqui dentro a vida continua sendo afetada pelo mundo.
Sub-mundo que tem sido vida em estado de morte.

Muda.
Muda sua sorte pela força dos moinhos
do nós.
Nas casas que reconhecem suas.
Nuas.8
Ruas que abrem espaço pro RECRIAR.
Saltar no essencial de si e emergir.
Reza.
Pesa sua vida na medida do milagre de ser.

Voz não mais silenciada
Corpo não mais subjugado
Vida não mais negociada.

Reexistindo pão em em estado de poesia.












quarta-feira, 6 de maio de 2020

Há quem diga que tempo é dinheiro.Há quem diga que tempo é remédio. Hoje prefiro o tempo instante.Agora santuário de memórias. Agora na estrada da existência larga do que virá. Mas precisamente agora do agora mesmo. Imensidão de pés fincados no espaço de ser. Sendo outros e o mesmo no jogo do tempo.Do hoje ainda avisto o jovem com suas peraltices narradas em voz feminina: -"Olha que vou ai, hein menino"!
Voz de autoridade e acolhimento na medida certa do amor.Voz que constroi memórias que ficam para sempre.
Mas como dialogar com o tempo e ainda assim caminhar levemente? Como entender parte daquele que nós devora a cada minuto que passa? Pelo raio que recorta com precisão o momento, pela submersão aos submundos de si, pela sensibilidade de emergir dos mares seus. O taciturno cronos entra em deslocamento e sua origem perde sua base ao sermos agentes de nós mesmo no instante do sim.Sim a vida, sim aos afetos, sim ao nosso eu que se desdobra em presente, passado e futuro.
Que o tempo seja seu aliado na esteira da vida. Que sua vida seja repleta de bons tempos: hoje e sempre Que seu tempo seja composto.Seguimos juntos!
DE Maos dadas, sempre!
Feliz aniversario





domingo, 5 de abril de 2020

Mais um texto escrito a quatro mãos.Da prosa à poesia

Do corona virus ao pos contemporâneo: da prosa cotidiana a poesia.

Apertem os cintos! O Piloto sumiu. Ou talvez, ele nunca tenha estado lá. Em tempos de pandemia, fora os inescapáveis dados sobre mortalidade e curvas de crescimento de contaminação, onde não se sabe direito nem quando ou como refrear a imensa onda casos que pululam globo afora, uma das maiores justificativas de pânico parece ser a incerteza sobre quando retornaremos ao universo conhecido de nossas certezas. A verdade, acachapante, é a de que nunca ouve Kansas, Dorothy e que a estrada dos tijolos amarelos certamente não conduziria, em uma visão filosófica, a lugar algum. E se houve na humanidade um momento em que a sensação geral é a de não lugar, talvez seja o presente momento. Por todo o lado enquanto Estados (a maioria deles) e instituições tentam construir soluções para a crescente contaminação e mortalidade, tendo o tempo como algoz, indivíduos enfrentam dilemas igualmente urgentes, como a incerteza sobre salários, negócios, distribuição de alimentos, políticas de contenção, número de mortes, possibilidade de contaminação, regras e regras e mais rege as sobre práticas cotidianas antes tão corriqueiras, como as compras que se traz da rua, ou o simples ato de jogar o lixo fora. Em um cenário distópico, em que a única realidade possível é a de que não há garantias, como compreender o espaço e tempo nos termos que fomos ensinados a conceber desde há muito, enquanto constituímos nossos imaginários de coletividade, produção e subsistência? Como contar o tempo, se o intervalo entre o tempo do trabalho e o tempo do lazer se permeiam e o espaço público e privado tensionam as relações mais formais? Por todo lugar, salas de aula, lojas, serviços, migram agora definitivamente para o mundo virtual e já há muitas vozes engrossando o coro do: “quando teremos nossa antiga vida de volta”? A dura realidade que alguns já anteveem é que jamais retornaremos ao estado anterior. E como fazer com tudo que aprendemos sobre o mundo, as relações, as dimensões espaço-temporais, as culturas que desenvolvemos por centenas de anos, até culminarem no intenso fluxo de pessoas e bens ao redor de um globo cada vez mais conectado. Mais seria mesmo assim tão conectado? Ou estaríamos de alguma forma assimilando o espelho em vez de Alice, ao identificarmos nas imagens com as quais convivíamos diariamente uma parte representativa da vida, para quem recorríamos em busca de afeto, legitimação e segurança, em mídias e redes dia afora, sons, imagens e afeto consolidando nossos corpos e mentes? E então, em um piscar de olhos, um intenso silêncio impõe-se ao caos e vamos pouco a pouco nos apropriando de nossa solidão. Ao redor não mais os 500, 600 ou mesmo milhares de seguidores de antes, a extensa agenda de contatos, os programas diversos, vão pouco a pouco apagando como monitores sendo pouco a pouco desligados. E o que fica é o universo interior de dores, inseguranças e, felizmente, essência. O que faremos quando só o que ouvirmos for nossa própria voz? Em que lugar pensar os fluxos contemporâneos de afetos, cultura e sociabilidades, quando não pudermos mais interagir como antes? De que modo as mídias sustentarão as práticas sociais em um universo onde o próprio social vai sendo pouco a pouco reinventado? Nesse cenário onde o tempo se impõe ao espaço e o público e o privado se mesclam já não é mais possível pensar apenas no contemporâneo. Essa enorme colcha de retalhos onde a política e a economia se mesclam em narrativas múltiplas, criando outras formas identitarias, vieses, nuances até o ponto de se fundirem em uma liberdade sem precedentes ou a mais fundamentalista cultura de auto-extinção, cujo exemplo pode ser o que melhor aprouver: forças armadas, exércitos paralelos, infinitos mercados virtuais e distanciamento social agravado pela desigualdade de condições de sobrevivência que garantem a cada um seu lugar no globo, enquanto fome, doença e desesperança moldam-se ao cenário cotidiano e não há manchetes que deem conta de tocar os corações. Tudo seguiu enquanto a modernidade ordenava corpos e ideias, tempo e espaço, normatizando a poesia e formatando vontades, além de invisibilizar diferenças de dores, Terra afora. Até que tudo ruiu e a pequeneza de nosso estado de certezas era tal que não foi necessário mais do que alguns poucos fragmentos de vida para romper a paz fictícia que tanto buscamos. E em meio ao mar de corpos que se acumulam em cada cidade, ao terror e à desesperança, em meio ao constante sobressalto do peito de cada um, a vida de todos os dias racha ao meio e os relógios da modernidade paralisam os ponteiros em um instante interminável, onde atônitos, corremos às janelas para observar o crescente silêncio, como se pela primeira vez o tivéssemos ouvido. Como se as mortes e o sangue das esquinas, a violação de mulheres e crianças, os corpos crivados de balas, o caos e o desespero nunca nos tivessem atingindo. E as epidemias, constantes, viessem tocar apenas as vidas alheias. Pois hoje choramos todos, a terrível constatação de que nunca estivemos no controle, de que o risco sempre esteve à esquina, enquanto não entendíamos o que afinal queria dizer “comum”. E enquanto ambos os monumentos da modernidade e do contemporâneo racham juntos, levando pedaços de concreto e metal ao centro da praça, que permanece vazia, ainda há um pôr do sol que nos convida a escutar o silencio dentro de nós e redescobrir a poesia da vida enquanto há tempo. Uma verdade transparece, por entre os fragmentos de luz que nos chegam da janela: Sempre fomos um. Mas por muitas vezes nos perdemos em projeções equivocadas do eu. A sobrevivência sempre foi coletiva. Nos confundimos pelos caminhos solitários de ser imagem além do corpo. Pulsação fora da rotação de si e do mundo. Roda gigante na inquietação por controle de tudo que avidamente colocávamos para dentro. Ávidos num vazio que não diminuía a medida que inutilmente tentávamos esconder. A dor sempre existiu. Mas por ora era silenciada pelo barulho de outras narrativas. Eram tantas prosas, caminhos, fluxos e fugas num caleidoscópio de existência rasa. Corríamos na contramão do fluxo do mundo. Esbarrávamos em nós sem pedir licença.  Na crença de estarmos maior. Qual a medida certa de nossa existência? Qual o passo no compasso da vida comum? Que linguagem trará nosso entendimento? Somos respostas aprendendo a formular perguntas. Somos dois tentando ser um. Somos vida em estado de pausa. Na dança de sermos apenas nós.  Sós. Solares numa manhã que ainda não desabrochou no horizonte. O horizonte não está lá fora. Ele sempre esteve aqui. Ele irrompe de si na aurora austral de cada um em suas casas. Ele gera luz em estado de poesia e percorre caminhos inéditos na nossa aprendizagem do aprender. Pois é preciso reaprender a aprender o obvio. O simples nos convoca como enigma de tudo que fomos. Somos. E seremos. Outros na esteira de um novo olhar.
por Debora Restum eTatiane Mendes

de: http://artesadoar.blogspot.com/
e
https://magiaerazao.blogspot.com/2020/04/do-corona-virus-ao-pos-contemporaneo-da.html

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Sempre fomos um.
Mas por muitas vezes nos perdíamos em projeções equivocadas do eu.
Sempre fomos um.
Mas por muitas vezes esqueciamos que a sobrevivência era coletiva.

Nos confundimos pelos caminhos solitários de ser imagem além do corpo.
Pulsação fora da rotação de si e do mundo. Roda gigante na inquietação por controle de tudo que avidamente colocavamos pra dentro.
Num vazio que não diminuia,
a medida que inutilmente tentavamos esconder.

A dor sempre existiu.
Mas por ora era silenciada pelo barulho de outras narrativas.
Eram tantas prosas, caminhos, fluxos e fugas num caleidoscópio de existência rasa.
Corriamos na contramão do mundo.
Esbarravamos em nós sem pedir licença.
Na crença de estarmos maior.

Qual a medida certa de nossa existencia?Qual o passo no compasso da vida comum? Que linguagem trará nosso entendimento?

Somos respostas aprendendo a formular perguntas.
Somos dois tentando ser um.
Somos vida em estado de pausa.

Na dança de sermos apenas nós.
Sós.
Solares numa manhã que ainda não desabrochou no horizonte.
O horizonte não esta lá fora.
Ele sempre esteve aqui.
Ele irrompe de si na aurora de cada um em suas casas.
Ele gera luz em estado de poesia e percorre caminhos inéditos na nossa aprendizagem do aprender.

Pois é  preciso reaprender a aprender o obvio.
O simples nos convoca como enigma de tudo que fomos.
Somos.
E seremos.
Outros na esteira de um novo olhar.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

De fevereiro de 2018 ( peguei das lembranças do facebook)

Ouvir os fluxos do agora, ler o silêncio de alguém, ser tocado pela história que não é sua mas que no fundo também é, pq
sempre é.Somos coletivo brincando de ser individual.Somos um, brincando de ser dois.Somos paredes impenetraveis pela
vontade de controlar o que nunca esteve em nossas mãos.Para que?Para que catalogar vivencias rasas em scripts
compartilhados na web da antiguidade de sempre.Para que ser vencedor, ou antivencedor?Para que a busca desenfreada pela
vontade de consumir um mundo que ja habita em nós.Que os atravessamentos de sempre não nos angustiem, mas que permitam
entender meu lugar.Lugar de passagem, lugar de chegada e de saida, lugar de meio, de entradas e travessias na inquietude
de nunca chegar.Mas chegamos sempre, chegamos no entre nós, na construção das estrela cadentes de universos e galaxias que
nascem todos os dias.Desconhecemos a grandeza do instante e almejamos a imensidão do que esta por vir.Nada virá e tudo
sempre estará a medida que estendamos nossa mão pra tocar alem de si na infinitude de dentro e de fora.A respiração do
mundo é a nossa respiração, ritmo que acelera e acalma a medida que caminhemos com passos firmes e a cabeca nas nuvens, a
medida que dançamos juntos na beleza da existência reinventada de feijão, arroz e poesia.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

CASA


Porque nossas estruturas são feitas de água. 

Na escuta do ambiente, 

nos afetamos com ruídos finos:  

ausências, lacunas, memórias, silêncios e todos os barulhos  

que venham aguçar a escuta do coração atento. 

 

Na prontidão da emoção que cria pontes e religa palavras, 

na arte de dizer o indizível. 

As vezes nossas palavras são ouvidas,  

as vezes viram poemas que se misturam a tantos outros  

arquivados na garganta da web. 

silêncio se faz voz no universo das metáforas 

pelos desenhos das imagens que pulam do papel, 

na visão daqueles que se permitem sentir.  

 

Sentir a ausência daquilo que um dia foi e não será mais,  

ou quem sabe venha a ser de um jeito diferente.  

 

A casa é a testemunha dos ausentes. 

 

Ela fala pelos que um dia estiveram aqui. 

Esperando na utopia silenciosa que voltem a ocupar seus espaços.  

ou recrie espaços com as estruturas que foram fiéis.  


A minha estrutura é o afeto. 

Ora silencioso, ora extrovertido, na construção de castelos de ar. 

A viga de concreto é a arte. 

Arte do encontro na complexidade da vida. 

Na preciosidade dos instantes,  

momentos de beleza na estética dos acontecimentos. 

Repertório de memória viva guardados no tecido do corpo.  

 

Artesã de si na engenhosidade do eu 

Que se apresenta a todo momento como se fosse a primeira vez. 

A primeira vez desestruturante no desafio do agora. 

O agora nos desafia na cadência da consciência dos ciclos. 

Somos memória, e ousamos ser estrutura, 

que não se desintegra com a consciência do vazio perturbador. 

O amor preenche o espaço interno, que ele se expanda a ponto de afetar a todos.